Há um ano partíamos para a viagem mais esperada das nossas vidas. Pelo menos na minha e na dela. Comprei as passagens em agosto e consegui um bom preço para irmos os três. Era uma felicidade que não cabia em nós. Levar a mamãe de volta à cidade dela era um dos meus grandes sonhos. Sempre dizia para ela que um dia eu daria aquele presente. Custei a acreditar quando consegui. Na verdade, acho que só acreditei quando chegamos ao aeroporto para embarcar para Salvador. Vê-los chegando no terminal arrumadinhos para viajar já encheu meus olhos de lágrimas. Papai, que todo o tempo dizia que não ia viajar e que não gostava de andar de avião, até que estava animado. Mal sabia ele o tanto que voltaria apaixonado por aquela terra e toda a família da mamãe.
Descemos em Salvador e um primo que mora lá foi nos buscar. Partimos para Paulo Afonso só no dia seguinte. Mamãe não via Walter há anos que ela nem sabia quantos. Foi uma noite regada a algumas cervejas e muita conversa. Eu sempre fui muito ligada à família da minha mãe. Por maior que seja essa distância, meus tios e primos sempre foram muito próximos de nós por ligações, cartas e fotografias. Além daquela ser a vontade dela, era um sonho meu se realizando. Os meus maiores sonhos sempre foram por eles e para eles.
No dia seguinte, Walter nos deixou na rodoviária e partimos para Paulo Afonso em uma viagem que cortava, praticamente, a Bahia inteira. O ônibus ia parando em todas as cidades. Não pregamos os olhos por nenhum minuto. Papai me mostrava a vegetação da estrada e me explicava cada plantação tipicamente nordestina, como uma imensa de caju em uma cidade que faço nem ideia do nome.
Chegamos em Paulo Afonso por volta das 18h. Meus tios nos esperavam na rodoviária. Foi aquele chororô que já sabíamos que ia ser. Mamãe só repetia para minha tia "para de chorar, Nana! não tem ninguém morrendo!". Ela nunca gostou de chorar. Seria capaz de contar nos dedos as vezes que a vi chorando. E todas elas eu chorava junto. Aliás, era uma ótima maneira de fazê-la parar. Bastava dizer "mãe, se você chorar eu choro também".
Papai em poucas horas se sentia em casa. Foi tão bem recebido que repetia sempre "imagina se eu não tivesse vindo?!". Pois é, imagina! No dia seguinte já partimos para a cidade de uma outra tia, a Vera. Pela primeira vez em 25 anos minha mãe voltava à terra dela. Dos cinco filhos que estão vivos, três estavam ali passando as festas juntos. As três filhas mulheres que minha vó teve. A gente não tinha como mensurar tamanha felicidade.
Foi um natal lindo. Trocamos presentes, as crianças estavam felizes como nunca e, pela primeira vez, eu tinha um Natal com a minha família. A minha, de verdade, de sangue, (quase) inteira. Sofríamos tanto em pensar que a distância não nos permitia viver aquilo sempre. Mas foi assim que a vida sempre quis que fosse, né?!
Mamãe viu quase todas as pessoas que fizeram parte da vida dela. Os tios que ainda estão vivos, os sobrinhos que ainda não conhecia, os filhos de alguns sobrinhos, os primos, os filhos dos primos, a melhor amiga e até o primeiro namorado (com toda a família). Foram dias muito felizes.
Passamos a nos perguntar se conseguiríamos viver ali, papai estava tão feliz que não queria ir embora. Pra completar tamanha felicidade, meu primo se casou logo após o Natal. Mamãe estava linda, radiante! Feliz e divertida como ela costumava ser e ali, entre a família dela. Entre pessoas que a viram crescer, que tinham participação na história dela. Chirley, a esposa do meu primo, afilhado da minha mãe, sempre repetia "como tia Lala é divertida!". Para eles, ela é Lala - com a primeira sílaba tônica.
Mamãe já sentia dores e chegamos a ir ao hospital em um dia. Como de "praxe", os médicos deram um remédio para cólicas e voltamos para casa. Minha tia Nana, que mais cuidou de minha vó durante a vida toda, estava preocupada. Dizia que as dores de dona Lourdes eram "mesmo assim". E deviam ser, de fato. As duas tiveram exatamente o mesmo diagnóstico.
Quando chegou dia 31 de dezembro, a animação do réveillon não era tanta. Nossa volta era no dia seguinte. A família de Tia Vera, que tinha vindo de Santana do Ipanema, já tinha ido embora e passamos a virada com a família de Amanda, então recém-esposa do meu primo. A comemoração foi na casa da minha tia. Acho incrível como a tradição da ceia muda de uma cidade pra outra. Lá eles não conheciam rabanada!!!!! Corremos a cidade inteira atrás de pão pra rabanada e quase não conseguimos.
Fizemos a alegria da ceia do réveillon! Todo mundo amou. Eu e mamãe éramos imbatíveis nas rabanadas.
Viramos o ano e logo no primeiro dia viemos embora. Almoçamos na beira do rio São Francisco e logo seguimos para o aeroporto. Papai já nem tinha mais medo de avião. Nos despedimos prometendo voltar.
Exatamente um mês depois que voltamos, mamãe foi internada. Esse certamente será um dos natais mais complicados da vida. A saudade é enorme e quando a gente acha que diminuiu, ela vem com tudo e derruba a gente de surpresa. Mas vamos seguir.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
domingo, 20 de julho de 2014
aos amigos.
Que ingrata eu seria por deixar passar esse dia sem falar aos
meus. Cheguei a comentar com uns “não tenho paciência pra essas coisas”. Talvez
o domingo e todo peso da carência que tem, misturado ao meu amor e gratidão, trouxe essa vontade. Nunca fui muito dessas de ter poucos e bons, tenho
muitos e maravilhosos. Sem modéstia. E sei disso, principalmente, por poder ter
contado com todos no momento que mais precisei.
Os de escola continuam até hoje, misturados com os amigos do
bairro, da rua ou do prédio. Não nos vemos mais com tanta frequência, mas
quando encontramos é como se esse intervalo não existisse. (Cliché, eu sei, mas
verdade). Voltam as piadas, as risadas, as lembranças da professora burra, do
outro que foi expulso de sala e das colas.
Os atuais se misturam. Há sete anos uma comunidade no orkut
me fez encontrar muitos que hoje são como minha família. É muito difícil responder
quando as pessoas perguntam como nos conhecemos. Dizer apenas “pela internet” parece
muito raso por tanta coisa vivida. Além deles, vieram os agregados e algumas famílias que sempre me recebem e acolhem tão bem.
Da faculdade são poucos, mas aqueles que sei que estarão
comigo por muito tempo. Um torcendo pela realização do outro. É tão prazeroso
dizer que aquele conseguiu aquela vaga que queria tanto! Tem os de “herança”,
aqueles mineiros queridos que continuam me recebendo tão bem que ocupam um
pedaço enorme no meu coração. Os de trabalho, aqueles que a gente convive intensamente por tanto tempo e depois perde o contato, mas que preenchem uma lacuna
enorme nas tantas histórias que passaram. E, ainda, aqueles que de tão amigos
já foram promovidos a primos, tios e sobrinhos (mais conhecidos como minha família
escolhida – já que a minha de verdade vive tão longe).
Para cada um de vocês um obrigada gigaaaaante! Recebi tanto
carinho, tanto afeto, tanto abraço, tanto cuidado, tanto amor em dias tão
difíceis desse ano, que nunca serei capaz de retribuir ou agradecer o
suficiente. Só tenho a certeza de ter muita sorte por ter cada um de vocês ao
meu lado.
Feliz dia dozamigo (serve pra amanhã também)! Agora toca o Reginaldo Rossi pra embalar
a breguitude!
quinta-feira, 10 de julho de 2014
cento e vinte dias.
Em nenhum
momento da vida imaginei ficar sem você, mãe. Claro que isso é algo que a gente
sempre pensa que vai acontecer num futuro muito distante, que não consegue nem
imaginar. Hoje completamos quatro meses sem a presença física uma da outra, mas
é incrível como eu sei que você está sempre aqui comigo.
Esses cento
e poucos dias parecem uma eternidade. Não há um dia que eu não lembre tudo que
passamos naquelas semanas de fevereiro e março. Eu e papai jamais poderíamos
prever que sobreviveríamos sem você por mais de um mês. Ele agora lava as
roupas dele e faz o prato sozinho! Eu tento deixar a casa como você sempre
gostou, mas meu quarto tá uma zona por não ter lugar pra guardar todas as
minhas coisas. Eu vou dar um jeito nisso, prometo.
Sabe aquela
tosse que eu tenho vez em quando? Então atacou um pouco e só escuto o papai
falando lá da sala “ta tossindo muito, hein, filha”. Você responderia daquele
jeito “deixa a menina tossir!”. Não estamos deixando louça na pia para o dia
seguinte, nem garrafas de água vazias. A dona Cida esta fazendo faxina a cada
quinze dias e vamos mantendo tudo nos “conformes”, como você gostava de dizer.
Nossa rotina
não teve muita mudança nas coisas práticas. A diferença agora é que papai não
tem compromisso e sou eu que saio todos os dias para trabalhar. Inclusive,
mudei de trabalho e queria muito que você estivesse aqui pra ver o quanto eu tô
feliz por estar em uma área que eu sempre quis! Aliás, eu sei que cê ta vendo,
né. Todos os dias o papai me busca no ponto de ônibus e voltamos juntos para
casa. Uma vez por semana passamos no mercado e no caminho pra casa ele sempre
comenta “todos os dias a mamãe fazia esse caminho cheia de compras”. Pois é.
São quatro
meses que parecem cinquenta, me pego sorrindo ao lembrar do seu sorriso em
cada coisa fazíamos juntas. Acho que estamos fazendo tudo do jeitinho que você
queria, com muita saudade, mas sem lágrimas, como você sempre pediu.
terça-feira, 3 de junho de 2014
03.06.1958
Hoje mamãe completaria 56 anos. Aprendi a gostar tanto de
aniversários por causa dela. Mamãe sempre gostou de festas e comemorações. No
período que ela ficou no hospital, já planejava como seria o aniversário dela
desse ano. Imaginava ela carequinha, por conta da quimioterapia, mas
sorridente, como sempre. A casa cheia de amigos e todos muito felizes por ela
estar ali, firme e forte. Seria uma grande comemoração, era o que eu mais queria.
Todo ano mamãe passava meses pensando no que fazer no
aniversário. No fim das contas não fazia nada e “descontava” no meu. Por ela que
eu comemorava tanto. Um dos maiores sonhos de dona Eulalia era ter a casa cheia
de filhos. Como não pôde, ela adorava que meus amigos estivessem sempre por
perto. Reclamava, claro. Mas gostava. Todos sabem. Por isso festa de
aniversário era sempre bem-vinda! Ta aí o melhor motivo pra casa cheia.
Estamos quase completando o terceiro mês sem ela. Todos
os dias escorrem algumas lágrimas de saudade que logo são tomadas por um sorriso
que surge simplesmente por lembrar o quanto tive uma mãe maravilhosa. Nesse meu primeiro 03 de junho sem ela, percebi
que as comemorações nunca mais serão do mesmo jeito, mas acho que consegui passar
um dia feliz, como ela pediu que eu continuasse.
Hoje a melhor amiga dela postou essa foto. Nunca tinha me
achado parecida com a mamãe, até então. Mas esse sorriso mostra muito bem nosso
jeitinho igual. E como eu fiquei feliz com isso! Que essa semana ela receba
muitos brindes de parabéns e felicitações, pois tenho certeza que é assim que
ela quer ser lembrada.
quarta-feira, 7 de maio de 2014
quando decidimos doar.
Nunca tínhamos
conversado sobre transplantes, mesmo com um caso exemplar que tivemos na
família. Até que um dia, quando esperávamos para entrar no CTI para ver a
mamãe, papai comentou “minha filha, se algo acontecer, acho que ela iria gostar se doássemos o coração dela. Imagina se uma criança receber, como ela
seria feliz!”. Crianças sempre foram a paixão da mamãe.
Eu já havia pensado sobre doação desde que ela tinha entrado no CTI. Na porta do setor do
hospital colocaram um cartaz enorme, justamente com uma criança pedindo a doação.
Mas achava que seria complicado convencer o papai a fazer isso, até que ele me
surpreendeu vindo com esse comentário.
Hoje um programa
de TV falou sobre transplantes e ontem a novela também abordou o assunto. É de
uma importância enorme as pessoas compreenderem que mesmo no meio de tanta dor,
pode conseguir ajudar outra família. E foi nisso que pensamos quando falamos
sobre o assunto. Respondi ao papai que sim, que se a mamãe pudesse, faríamos as
doações. Infelizmente ela não podia. A equipe do Programa Estadual de
Transplante (PET) concluiu que ela não era uma doadora em potencial depois da
avaliação da morte cerebral. São vários fatores que levaram a isso, a própria
doença de base, a sepse que se instaurou e também a quantidade de noradrenalina
que ela passou a utilizar depois da parada cardíaca (informações que me
passaram, não sei se totalmente corretas).
Uma das
coisas mais lindas que minha mãe me ensinou foi a ajudar o outro, seja lá “o
outro” quem for. A gente não podia colaborar com dinheiro, mas mamãe era aquela
que guardava um pouco das quentinhas que fazia para dar aos mendigos que ficam
na nossa rua. E isso valeu na hora de decidirmos sobre seus órgãos. Mamãe foi
uma mulher tão feliz, tão boa, que a gente queria que isso tudo se perpetuasse
de alguma forma. Imaginem que lindo seria mais uma pessoa com esse coração
cheio de amor no mundo.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
domingo de páscoa.
Ontem
foi um dos dias mais difíceis desses 40 dias. Chorei demais, senti demais,
sofri demais. Minhas lágrimas caíam sem que eu pudesse controlar. Me falaram
que seria por conta da páscoa, que nas datas comemorativas temos essa tendência
de “lembrar” mais.
Fiquei
lembrando das últimas “semanas-santas” que passamos juntas. De uns bons anos
pra cá, passei a usar o feriado prolongado pra viajar. Ano passado fiquei em
casa. Precisava terminar de escrever minha monografia e também era um momento
de ficar mais próxima do pai e da mãe. Meu tio Paulo veio aqui no domingo e
trouxe um ovo de Páscoa pra mim. Chorei que nem criança. Lembro da mamãe
comentar o tanto que eu era chorona e eu falei pra ela que aquilo me lembrava a
infância, dos tantos ovos de Páscoa que meu tio me deu antes de tanta mudança
que ele passou pela vida.
Foi
um dia feliz pela visita do meu tio, que já não vinha mais aqui com tanta frequência,
e também era aniversário do Rogger, um vizinho nosso muito querido. Tinha churrasco
em comemoração ao aniversário e eu me dividia entre ficar um pouco na festa e
um pouco no TCC.
Sempre
achei que mamãe acertou em cheio no tanto de “mimo” que me deu. Nem mais nem menos. Embora sempre achem os filhos únicos muito mimados. Mesmo sendo
única e depois de tanto sacrifício (qualquer dia eu conto pra quem não sabe),
eu sempre tive liberdade em fazer as coisas que eu queria. Mamãe era católica,
mas nunca ligou que eu não estivesse em casa pra passar a semana santa. Ela
costumava dizer “eu te segurei o quanto pude, agora a vida é sua”. Claro que
ela sempre comentava o que tinha vontade, como reclamar que eu gastava muito
dinheiro viajando, mas entendia que era o que eu gostava de fazer. Algo que ela
também sempre dizia era “em você eu confio, minha filha. Não confio nos outros”,
quando eu respondia qualquer comentário dela sobre meus passeios com “ta tudo
certo, mãe. Confia em mim”.
E
ela sempre confiou. Fomos muito amigas sempre. E somos. Dividia segredos com
ela que o comentário era “seu pai vai morrer se ficar sabendo disso!”. E ela
mesma dava um jeitinho de contar as coisas pro papai. Tomei muuuuuito esporro,
mas poucas horas depois ela ligava e pedia desculpas. “Mamãe ta nervosa, cê
sabe...”, dizia ela quase como o gatinho do Shrek. Sempre dramática. Com quem
será que aprendi, né?
No
nosso último Natal, pouco antes de viajarmos, ela veio me mostrar o que tinha
comprado de presente pra levar pra família. Depois de mostrar tudo, veio
correndo até a sala agarrada com um ursinho de pelúcia e disse “esse aqui é seu”.
Eu ri e respondi que não precisava. E ela retrucou “É o meu coração que vai ta
sempre com você”.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
1 mês.
Hoje
completamos um mês. Um mês sem a pessoa que mais amo na vida. Um mês sem
receber aquele boa noite todos os dias. Um mês sem ter aquele abraço
apertado quando chego em casa no sábado à tarde. Um mês sem ter arroz
fresquinho no almoço só porque era assim que eu gostava. Um mês sem ouvi-la perguntar
se escovei os dentes, se a roupa de cama foi trocada ou se tirei a lente. Um
mês sem acordar e ver que ela ta ali do lado só me olhando dormir. Um mês sem
ouvi-la dizer que vai largar tudo e vai embora. E mal sabia que iria tão cedo.
Os
dias passam, mas não. A gente ainda ta ali, naquele corredor de hospital,
recebendo notícias. Indo trabalhar, voltando pra casa, pegando ônibus, indo pra
festas, mas ainda ali. Ainda vendo médicos, ainda sentindo medo, ainda
inseguros. Os dias passam, mas é como se nós estivéssemos parados e só gira o
que está ao nosso redor.
“Minha
filha, se algo acontecer, quero que você continue sendo essa filha linda que
você sempre foi.” Tá muito difícil, mãe, mas vou continuar fazendo tudo pra te
encher de orgulho.
quarta-feira, 19 de março de 2014
contagem regressiva.
Diferente do esperado, depois de um dia cheio de esperanças e fé renovadas, tivemos uma surpresa. Na quinta, dia 06, cheguei cedo no hospital, como de costume. Fui tentar conversar com o chefe do CTI sobre minha volta ao trabalho e um possível horário alternativo para conversar com os médicos. Ele não estava e fiquei por lá aguardando a visita. Às 14h já estava junto com o papai para entrarmos no CTI.
Como sempre fiz, cheguei no leito dela com um sorriso de orelha a orelha. Em todos esses dias, aprendi (sem saber como, nem com quem) que tinha que estar muito feliz por poder estar ali, dividindo isso com ela, e que ela precisava me ver bem. E era isso que eu queria mostrar pra ela todos os dias: o meu sorriso mais sincero.
Dra Flávia apareceu, vinha da sala dos médicos do CTI, e não tinha uma cara boa. Fui abraçá-la e ela disse "Bru, você precisa ser forte. Sua mãe deu uma piorada. Teve uma parada cardíaca de meia hora hoje cedo e quase não conseguiram fazê-la voltar". Não sei definir minha reação. Não faço ideia de como deve ter sido a minha cara. Mas pra mim ela permanecia ali "bem", como antes.
Não contei pro meu pai. Esperei que a Dra Milena, intensivista do dia, contasse tudo pra nós dois juntos. Deixei que ele ficasse com a mamãe bem, sem aquele peso ou aquele medo que eu tinha. Ele não merecia.
Dra Milena nos chamou pra conversar e contou sobre a parada cardíaca. Por meia hora ela insistiu que a mamãe permanecesse ali pra nos encontrar na hora da visita. Nos disse pra aproveitarmos o máximo possível, pois uma nova parada ela não suportaria. Mamãe "voltou" com muita droga pra manter a pressão. Ficamos desolados.
Voltamos às 18h, pois a Dra Milena deixou que passássemos mais tempo com ela, pra aproveitarmos tudo. Nessa hora, ela comentou que mamãe permanecia estável, sem nenhuma nova intercorrência. Voltamos pra casa um pouco mais tranquilos, mas a sensação que a qualquer momento o telefone poderia tocar era cruel.
A previsão era que na sexta ela fizesse a traqueostomia e mais uma lavagem abdominal, que foram suspensas. Mamãe não tinha condição clínica para suportar qualquer intervenção cirúrgica. O fígado apresentou sinais de falência e os olhos dela estavam bem amarelados. Mais uma coisa começou a me preocupar.
Parecia que tudo o que tínhamos caminhado e vencido até agora estava chegando ao fim. Ao mesmo tempo que eu sabia disso, não deixei de acreditar nem um minuto que mamãe voltaria pra casa. Até que o intensivista de sábado foi mais duro comigo e com papai. Quando questionei sobre os danos cerebrais que a parada cardíaca poderia ter causado, ele foi direto "Bruna, sua mãe não vai voltar pra casa".
Papai chorou muito e eu só queria que o médico me explicasse o que acontecia. Pela experiência dele, era mesmo questão de alguns dias. A infecção ainda era localizada no abdômen, mas o fígado já estava numa situação bem complicada, podendo parar a qualquer momento, e aí era mesmo aguardar que as coisas fossem "parando". Nesse momento pensei no quanto os próximos dias seriam sofridos pra ela. É triste demais saber que você não pode fazer nada além do que já foi feito. Imagina você saber que a pessoa que te deu a vida está indo embora aos poucos, aos pedaços, órgão por órgão, sem que nada pudesse ser feito?
O câncer complicou toda a evolução ou melhora que ela apresentou nesse período. Mamãe esperava ficar boa, mas tudo era muito, muito, muito lento.
Quando chegamos no hospital, no domingo, vi que o nome da mamãe carregava um "*". Logo perguntei o motivo e o segurança disse que a médica iria conversar só comigo e com os familiares de outro paciente. Na hora já veio aquele desespero, mas passou quando uma enfermeira do setor saiu, perguntei se mamãe estava "bem" e ela me pediu pra ficar tranquila. Fiquei.
Dra Paula chegou antes da visita e me chamou. Entramos, sentamos e ela disse "Bruna, fizemos alguns testes na sua mãe ontem a noite e hoje e podemos afirmar com 98% de certeza que ela teve morte cerebral".
Como sempre fiz, cheguei no leito dela com um sorriso de orelha a orelha. Em todos esses dias, aprendi (sem saber como, nem com quem) que tinha que estar muito feliz por poder estar ali, dividindo isso com ela, e que ela precisava me ver bem. E era isso que eu queria mostrar pra ela todos os dias: o meu sorriso mais sincero.
Dra Flávia apareceu, vinha da sala dos médicos do CTI, e não tinha uma cara boa. Fui abraçá-la e ela disse "Bru, você precisa ser forte. Sua mãe deu uma piorada. Teve uma parada cardíaca de meia hora hoje cedo e quase não conseguiram fazê-la voltar". Não sei definir minha reação. Não faço ideia de como deve ter sido a minha cara. Mas pra mim ela permanecia ali "bem", como antes.
Não contei pro meu pai. Esperei que a Dra Milena, intensivista do dia, contasse tudo pra nós dois juntos. Deixei que ele ficasse com a mamãe bem, sem aquele peso ou aquele medo que eu tinha. Ele não merecia.
Dra Milena nos chamou pra conversar e contou sobre a parada cardíaca. Por meia hora ela insistiu que a mamãe permanecesse ali pra nos encontrar na hora da visita. Nos disse pra aproveitarmos o máximo possível, pois uma nova parada ela não suportaria. Mamãe "voltou" com muita droga pra manter a pressão. Ficamos desolados.
Voltamos às 18h, pois a Dra Milena deixou que passássemos mais tempo com ela, pra aproveitarmos tudo. Nessa hora, ela comentou que mamãe permanecia estável, sem nenhuma nova intercorrência. Voltamos pra casa um pouco mais tranquilos, mas a sensação que a qualquer momento o telefone poderia tocar era cruel.
A previsão era que na sexta ela fizesse a traqueostomia e mais uma lavagem abdominal, que foram suspensas. Mamãe não tinha condição clínica para suportar qualquer intervenção cirúrgica. O fígado apresentou sinais de falência e os olhos dela estavam bem amarelados. Mais uma coisa começou a me preocupar.
Parecia que tudo o que tínhamos caminhado e vencido até agora estava chegando ao fim. Ao mesmo tempo que eu sabia disso, não deixei de acreditar nem um minuto que mamãe voltaria pra casa. Até que o intensivista de sábado foi mais duro comigo e com papai. Quando questionei sobre os danos cerebrais que a parada cardíaca poderia ter causado, ele foi direto "Bruna, sua mãe não vai voltar pra casa".
Papai chorou muito e eu só queria que o médico me explicasse o que acontecia. Pela experiência dele, era mesmo questão de alguns dias. A infecção ainda era localizada no abdômen, mas o fígado já estava numa situação bem complicada, podendo parar a qualquer momento, e aí era mesmo aguardar que as coisas fossem "parando". Nesse momento pensei no quanto os próximos dias seriam sofridos pra ela. É triste demais saber que você não pode fazer nada além do que já foi feito. Imagina você saber que a pessoa que te deu a vida está indo embora aos poucos, aos pedaços, órgão por órgão, sem que nada pudesse ser feito?
O câncer complicou toda a evolução ou melhora que ela apresentou nesse período. Mamãe esperava ficar boa, mas tudo era muito, muito, muito lento.
Quando chegamos no hospital, no domingo, vi que o nome da mamãe carregava um "*". Logo perguntei o motivo e o segurança disse que a médica iria conversar só comigo e com os familiares de outro paciente. Na hora já veio aquele desespero, mas passou quando uma enfermeira do setor saiu, perguntei se mamãe estava "bem" e ela me pediu pra ficar tranquila. Fiquei.
Dra Paula chegou antes da visita e me chamou. Entramos, sentamos e ela disse "Bruna, fizemos alguns testes na sua mãe ontem a noite e hoje e podemos afirmar com 98% de certeza que ela teve morte cerebral".
segunda-feira, 17 de março de 2014
tratamento intensivo.
Depois da cirurgia, o clima era bem tenso. Dr. Antonio passou por nós pelo corredor e avisou que já iria nos chamar para conversar. Nesse momento o papai já havia chegado ao hospital e minha tia Márcia também.
A conversa foi bem dura. Dr. Antonio explicou o que tinha acontecido, mamãe teve um "desabamento" do intestino, ou seja, o intestino despencou da colostomia e caiu na cavidade abdominal, ficando solto dentro da barriga. A atividade do órgão continuou normal, o que fez com que as fezes se espalhassem por todo o organismo. A situação se tornou bem grave. Mamãe saiu da cirurgia direto pro CTI e fomos vê-la logo depois da conversa. Ela estava lúcida e conversou pouco com a gente. Disse para ela que tudo já estava resolvido, expliquei o que tinha acontecido e pedi que ela ficasse calma pra que tudo pudesse ser resolvido o quanto antes.
Além disso, mamãe teria que passar por várias lavagens da barriga, pois agora ela tinha um quadro de peritonite, que é a inflamação daquela região. Não se sabia muito quantas vezes essas cirurgias seriam feitas, mas era isso que ia salvar a vida dela. Essas lavagens são realizadas para limpar a área da infecção.
Conforme os dias iam passando, as informações ficavam mais claras pra mim. Passava noites lendo artigos sobre todo e qualquer procedimento que era feito com a mamãe. Isso me deixava mais segura para conversar com os médicos e ter perguntas mais pertinentes ao assunto. Dois dias depois ela foi pro centro cirúrgico novamente, para a primeira lavagem abdominal.
Mamãe voltou desse procedimento entubada, não aguentou ficar sem o respirador. No dia anterior ela já tinha apresentado muita tosse e, caso ela permanecesse sem o aparelho, além do risco de ficar sem respirar, ainda forçaria ainda mais a barriga, região infectada.
Passados 15 dias de CTI, o primeiro esquema antibiótico terminou, mamãe permanecia entubada e nos foi pedida uma autorização para fazer a traqueostomia. Ela tinha respondido bem ao tratamento, mas a sepse ainda estava presente. Como não tinha previsão de tirar o respirador, era melhor que fizessem a traqueostomia para que ela tivesse um bem estar melhor. O esperado, agora, era que ela começasse a melhorar.
A conversa foi bem dura. Dr. Antonio explicou o que tinha acontecido, mamãe teve um "desabamento" do intestino, ou seja, o intestino despencou da colostomia e caiu na cavidade abdominal, ficando solto dentro da barriga. A atividade do órgão continuou normal, o que fez com que as fezes se espalhassem por todo o organismo. A situação se tornou bem grave. Mamãe saiu da cirurgia direto pro CTI e fomos vê-la logo depois da conversa. Ela estava lúcida e conversou pouco com a gente. Disse para ela que tudo já estava resolvido, expliquei o que tinha acontecido e pedi que ela ficasse calma pra que tudo pudesse ser resolvido o quanto antes.
Além disso, mamãe teria que passar por várias lavagens da barriga, pois agora ela tinha um quadro de peritonite, que é a inflamação daquela região. Não se sabia muito quantas vezes essas cirurgias seriam feitas, mas era isso que ia salvar a vida dela. Essas lavagens são realizadas para limpar a área da infecção.
Conforme os dias iam passando, as informações ficavam mais claras pra mim. Passava noites lendo artigos sobre todo e qualquer procedimento que era feito com a mamãe. Isso me deixava mais segura para conversar com os médicos e ter perguntas mais pertinentes ao assunto. Dois dias depois ela foi pro centro cirúrgico novamente, para a primeira lavagem abdominal.
Mamãe voltou desse procedimento entubada, não aguentou ficar sem o respirador. No dia anterior ela já tinha apresentado muita tosse e, caso ela permanecesse sem o aparelho, além do risco de ficar sem respirar, ainda forçaria ainda mais a barriga, região infectada.
Passados 15 dias de CTI, o primeiro esquema antibiótico terminou, mamãe permanecia entubada e nos foi pedida uma autorização para fazer a traqueostomia. Ela tinha respondido bem ao tratamento, mas a sepse ainda estava presente. Como não tinha previsão de tirar o respirador, era melhor que fizessem a traqueostomia para que ela tivesse um bem estar melhor. O esperado, agora, era que ela começasse a melhorar.
sábado, 8 de março de 2014
enfermaria 53.
Na enfermaria as coisas ficaram mais tranquilas e tinha a sensação que tudo ia se ajeitar. São oito leitos na sala e uma equipe de enfermagem 24h. Os médicos fazem a visita pela manhã e depois conversam com a família, caso tenha necessidade.
Pedi autorização pra ser acompanhante da mamãe e a enfermagem liberou. Era uma quinta e fiquei com ela no hospital até umas 22h. Estava pronta pra dormir, mas ela, obviamente, não deixou. Sempre se preocupando mais comigo do que com ela. Eu tinha que trabalhar no dia seguinte e ela queria que eu dormisse direito em casa.
Os dias foram seguindo e eu vi a necessidade de ficar com ela naquele momento. Mamãe precisava de mim e se eu estivesse longe não teria como conversar com os médicos e acompanhar a melhora. Pedi 10 dias de férias que tinha no trabalho e fiquei revezando com minha tia e minha vizinha até o dia 17 de fevereiro, uma segunda.
Entre os dias 17 e 18 passei a noite com ela. Mamãe sempre muito ativa, não tava aguentando mais ficar naquela cama. Não encontrava posição pra dormir, passava a noite em claro, não tinha mais rivotril que desse jeito naquela ansiedade de voltar pra casa. No meio da noite ela pediu que fossemos limpar a sacolinha da colostomia - que eu já tinha aprendido a cuidar - e vi que tinha algo estranho, um líquido com uma cor roxa que muito parecia sangue. Voltamos pra cama e fiquei com aquilo na cabeça. Sabia que não era um bom sinal. Chamei a enfermeira, pois mamãe reclamou de dor, e comentei que as fezes estavam com uma coloração estranha. Pela manhã, fomos tomar banho e dessa vez a sacolinha estava completamente cheia de sangue.
Dr. Antônio Mateus é o chefe da cirurgia do hospital. Em um dos primeiros dias da mamãe na enfermaria tivemos uma longa conversa. Ele me explicou a gravidade do tumor, o quanto está avançado e os cuidados que teremos que seguir após a alta. Foi ele que chegou pra ver a mamãe no momento da hemorragia.
Aquilo tudo passa como um filme na minha cabeça. Foram algumas horas de muita tensão. Mamãe perdia muito sangue e já tinha um quadro de anemia, o que me preocupava ainda mais. Tentei manter o controle da situação o máximo possível pra que ela não ficasse ainda mais nervosa. Quando o Dr. Antônio chegou no leito, mamãe falou "Dr, me salva, eu to morrendo!" e ele, numa calma que deve ser característica da maioria dos cirurgiões, ou pelo menos deveria ser, disse "tem ninguém morrendo aqui, dona Eulalia! Fique calma aí".
Sempre soube que mamãe era uma pessoa muito forte pra dor (e pra um monte de outras coisas). Lembro de uma vez, devia ter uns 12 anos, ela teve bursite e sentia uma dor insuportável. Ela chorava na cama e eu, do lado dela, pedia a Deus que a dor fosse em mim, porque eu não queria ver minha mãe sofrer daquele jeito. E naquele momento tenso da hemorragia, perguntei algumas vezes se ela sentia dor, e ela me respondia sempre que não.
Doendo ou não, mamãe foi pro centro cirúrgico pela segunda vez. Uma segunda ida já era programada, pois ela precisava refazer alguns pontos internos que haviam soltado, mas vinha sendo adiado por conta da anemia que ela tinha. Dessa vez era emergencial, então foi levada. Dr. Antônio e Dra Claudia operaram a mamãe por quase três horas.
Pedi autorização pra ser acompanhante da mamãe e a enfermagem liberou. Era uma quinta e fiquei com ela no hospital até umas 22h. Estava pronta pra dormir, mas ela, obviamente, não deixou. Sempre se preocupando mais comigo do que com ela. Eu tinha que trabalhar no dia seguinte e ela queria que eu dormisse direito em casa.
Os dias foram seguindo e eu vi a necessidade de ficar com ela naquele momento. Mamãe precisava de mim e se eu estivesse longe não teria como conversar com os médicos e acompanhar a melhora. Pedi 10 dias de férias que tinha no trabalho e fiquei revezando com minha tia e minha vizinha até o dia 17 de fevereiro, uma segunda.
Entre os dias 17 e 18 passei a noite com ela. Mamãe sempre muito ativa, não tava aguentando mais ficar naquela cama. Não encontrava posição pra dormir, passava a noite em claro, não tinha mais rivotril que desse jeito naquela ansiedade de voltar pra casa. No meio da noite ela pediu que fossemos limpar a sacolinha da colostomia - que eu já tinha aprendido a cuidar - e vi que tinha algo estranho, um líquido com uma cor roxa que muito parecia sangue. Voltamos pra cama e fiquei com aquilo na cabeça. Sabia que não era um bom sinal. Chamei a enfermeira, pois mamãe reclamou de dor, e comentei que as fezes estavam com uma coloração estranha. Pela manhã, fomos tomar banho e dessa vez a sacolinha estava completamente cheia de sangue.
Dr. Antônio Mateus é o chefe da cirurgia do hospital. Em um dos primeiros dias da mamãe na enfermaria tivemos uma longa conversa. Ele me explicou a gravidade do tumor, o quanto está avançado e os cuidados que teremos que seguir após a alta. Foi ele que chegou pra ver a mamãe no momento da hemorragia.
Aquilo tudo passa como um filme na minha cabeça. Foram algumas horas de muita tensão. Mamãe perdia muito sangue e já tinha um quadro de anemia, o que me preocupava ainda mais. Tentei manter o controle da situação o máximo possível pra que ela não ficasse ainda mais nervosa. Quando o Dr. Antônio chegou no leito, mamãe falou "Dr, me salva, eu to morrendo!" e ele, numa calma que deve ser característica da maioria dos cirurgiões, ou pelo menos deveria ser, disse "tem ninguém morrendo aqui, dona Eulalia! Fique calma aí".
Sempre soube que mamãe era uma pessoa muito forte pra dor (e pra um monte de outras coisas). Lembro de uma vez, devia ter uns 12 anos, ela teve bursite e sentia uma dor insuportável. Ela chorava na cama e eu, do lado dela, pedia a Deus que a dor fosse em mim, porque eu não queria ver minha mãe sofrer daquele jeito. E naquele momento tenso da hemorragia, perguntei algumas vezes se ela sentia dor, e ela me respondia sempre que não.
Doendo ou não, mamãe foi pro centro cirúrgico pela segunda vez. Uma segunda ida já era programada, pois ela precisava refazer alguns pontos internos que haviam soltado, mas vinha sendo adiado por conta da anemia que ela tinha. Dessa vez era emergencial, então foi levada. Dr. Antônio e Dra Claudia operaram a mamãe por quase três horas.
quarta-feira, 5 de março de 2014
acordei.
Depois de uma noite de não-sono, levantamos e buscamos o que fazer. Mamãe passou a noite no CTI da emergência, chamam aqui de "sala vermelha", e não podia ter acompanhante. Por volta das 7h, papai já estava no hospital com a malinha dela pronta. Fiquei em casa tentando descansar, mas obviamente não consegui.
Meu corpo parecia fora da órbita. Os passos que eu dava pareciam não comandados por mim. O meu cansaço não era físico, era psicológico. Meu corpo descansou por toda noite que passou, mas minha cabeça não. Toda família me ligava, eu precisava avisar aos mais próximos o que estava acontecendo e, o principal, eu precisava ficar com a minha mãe.
Cheguei no hospital por volta das 10h. Papai ainda não tinha conseguido entrar nem falar com nenhum médico pra saber da mamãe. A entrada na sala vermelha era proibida e passamos alguns minutos até que eu pudesse pensar em como resolver a situação. Fui ao serviço social, expliquei o que acontecia, e consegui ter alguma informação sobre ela - ao menos que estava viva. Eu devia aguardar a médica vir chamar a família pra conversar após a visita. Inclusive eu estaria aguardando até agora.
Existia uma possibilidade - grande - da mamãe sair do local que estava e ir pra enfermaria da emergência ou, ainda pior, pro corredor, já que o hospital estava lotado. Consegui ver um rosto conhecido, um médico que passou por mim algumas vezes no dia anterior, Dr. Luis Fernando, e perguntei se ele poderia me ajudar de alguma forma a ver minha mãe. De pronto, ele me disse que estava muito ocupado, senão iria naquele mesmo momento vê-la pra me dizer a situação, mas que eu poderia entrar pra falar com o cirurgião do plantão.
Nenhum médico me olhava com uma cara boa. Sempre que eu dizia "sou filha da paciente Maria Eulalia", eles poderiam estar sorrindo que a fisionomia mudava e a primeira frase era "o que você sabe da situação da sua mãe?". E foi exatamente assim com o primeiro médico que falei nesse dia. Dr. Gustavo me disse que ela passou a noite muito bem, vinha reagindo melhor que o esperado e que só não liberou a dieta pois ela precisaria completar 24h de cirurgia. Boas notícias, mas ainda tinha uma coisa me incomodando, eu não ia permitir que minha mãe ficasse no corredor do hospital, mesmo sem saber o que fazer.
Vimos a mamãe e disse que ia voltar pra casa porque não poderia ficar ali. Avisei que voltaria mais tarde pra dar um beijo de boa noite. Mais ou menos umas 18h estava novamente no hospital e mamãe não estava mais na sala vermelha. Uma enfermeira passou por mim e disse "ela subiu, está na enfermaria cirúrgica". A Dra Flávia tinha deixado na chefia da cirurgia uma solicitação de vaga, pedindo que a primeira vaga que surgisse na enfermaria fosse da mamãe.
Meu corpo parecia fora da órbita. Os passos que eu dava pareciam não comandados por mim. O meu cansaço não era físico, era psicológico. Meu corpo descansou por toda noite que passou, mas minha cabeça não. Toda família me ligava, eu precisava avisar aos mais próximos o que estava acontecendo e, o principal, eu precisava ficar com a minha mãe.
Cheguei no hospital por volta das 10h. Papai ainda não tinha conseguido entrar nem falar com nenhum médico pra saber da mamãe. A entrada na sala vermelha era proibida e passamos alguns minutos até que eu pudesse pensar em como resolver a situação. Fui ao serviço social, expliquei o que acontecia, e consegui ter alguma informação sobre ela - ao menos que estava viva. Eu devia aguardar a médica vir chamar a família pra conversar após a visita. Inclusive eu estaria aguardando até agora.
Existia uma possibilidade - grande - da mamãe sair do local que estava e ir pra enfermaria da emergência ou, ainda pior, pro corredor, já que o hospital estava lotado. Consegui ver um rosto conhecido, um médico que passou por mim algumas vezes no dia anterior, Dr. Luis Fernando, e perguntei se ele poderia me ajudar de alguma forma a ver minha mãe. De pronto, ele me disse que estava muito ocupado, senão iria naquele mesmo momento vê-la pra me dizer a situação, mas que eu poderia entrar pra falar com o cirurgião do plantão.
Nenhum médico me olhava com uma cara boa. Sempre que eu dizia "sou filha da paciente Maria Eulalia", eles poderiam estar sorrindo que a fisionomia mudava e a primeira frase era "o que você sabe da situação da sua mãe?". E foi exatamente assim com o primeiro médico que falei nesse dia. Dr. Gustavo me disse que ela passou a noite muito bem, vinha reagindo melhor que o esperado e que só não liberou a dieta pois ela precisaria completar 24h de cirurgia. Boas notícias, mas ainda tinha uma coisa me incomodando, eu não ia permitir que minha mãe ficasse no corredor do hospital, mesmo sem saber o que fazer.
Vimos a mamãe e disse que ia voltar pra casa porque não poderia ficar ali. Avisei que voltaria mais tarde pra dar um beijo de boa noite. Mais ou menos umas 18h estava novamente no hospital e mamãe não estava mais na sala vermelha. Uma enfermeira passou por mim e disse "ela subiu, está na enfermaria cirúrgica". A Dra Flávia tinha deixado na chefia da cirurgia uma solicitação de vaga, pedindo que a primeira vaga que surgisse na enfermaria fosse da mamãe.
terça-feira, 4 de março de 2014
aquele dia.
Cinco de fevereiro tinha tudo pra ser um dia comum, mas não foi. Minha mãe não estava bem e isso já não era do dia cinco, ou do dia um, ou de algum dia próximo. Isso já era recorrente nos nossos últimos meses.
Poucos filhos - ao menos os que conheço - são tão ligados aos pais, como sou com os meus. E isso não é pretensão minha, é verdade. Nunca quis saber a explicação, mas nesse momento as coisas ficam muito mais claras. Era pra ser assim.
Depois de vários médicos e até um diagnóstico de "cálculo renal", dado por uma médica (brasileira[!!!]), na UPA, depois de um exame de urina, fomos encarar a emergência de um hospital do Estado. Tínhamos uma ultrasonografia que solicitava uma tomografia computadorizada pra complementar o diagnóstico. Mamãe foi atendida, realizou exames de sangue e a tomografia - num total de 10h de espera no hospital. Com o laudo da tomografia em mãos, eu já não cabia mais em mim de tanta ansiedade. Não gostei do que vi ali, embora não tivesse entendido sequer uma linha.
Enquanto aguardávamos o médico nos atender para ver o resultado da TC, mamãe pediu para irmos procurar algo pra comer - estávamos o dia inteiro ali, sem ter comido nada. Sentamos na lanchonete do hospital, pegamos uma água de coco (nada de comer nos agradou) e eu chorei. Mamãe, do alto de toda sua força e proteção que me dá, disse "minha filha, não se preocupe, vai ficar tudo bem. Eu não tenho medo de nada! Só tenho medo se for câncer".
A clínica médica olhou o laudo e pediu para levarmos ao cirurgião da emergência. O caso era pra operação e ela não disse muito mais que isso. Mamãe entrou na sala de sutura já agoniada, mas não pelo que a médica tinha falado, pela vontade de ir logo pra casa. Mesmo com um caso cirúrgico, não imaginamos que não voltaríamos juntas pra casa. Pediu, pelo amor de Deus, que a médica só "desse uma olhadinha" naquele exame, pois não aguentava mais ficar ali. A médica pegou os exames e respondeu que não ia olhar nada daquilo, que antes de qualquer coisa ela ia contar tudo o que tava sentindo. Ali eu chorei. Chorei porque pela primeira vez, em meses atrás de um atendimento correto, um médico parou pra ouvir o que minha mãe tinha pra dizer. Mamãe me olhou com aquela cara de "para de chorar, garota!" e contou tudo o que sentia praquela mulher, Dra. Flávia Menezes. Depois da história, ela olhou o exame em menos de um minuto e disse "dona Eulalia, nós vamos operar a senhora agora, tá? A senhora tem um tumor no reto, alguns pontos já no fígado, e precisamos abrir pra limpar essa barriguinha".
Eu pedia calma pra mamãe e ela pedia calma pra mim. Éramos eu e ela, uma querendo cuidar mais da outra. Ali eu vi que meu papel tinha mudado e que ela precisava deixar que isso acontecesse. Mamãe era a pessoa mais tranquila daquele hospital. Eu virei a pessoa mais desesperada e em cinco minutos depois a mais forte. Papai chegou atrás da gente justamente na hora que soubemos de tudo. Naquele tempo antes da cirurgia fomos a família mais feliz do mundo simplesmente por estarmos juntos. É estranho dizer felicidade nesse momento, mas sei que seriamos infelizes se um de nós três não estivesse ali naquela hora tão importante.
A cirurgia durou quase 2h, como previsto, e esperávamos a Dra Flávia e a Dra. Adriana virem conversar com a gente. As notícias chatas não pararam por ali. O tumor da mamãe não podia ser retirado, o fígado já vinha bastante comprometido e não nos deram expectativa de cura. Foi feita uma colostomia, sem previsão de retirada, e ela ficaria, no mínimo, uma semana no hospital pra se recuperar. Todo apoio nos foi dado. As médicas nos disseram que todo encaminhamento para o tratamento oncológico seria feito e explicou vários detalhes sobre qualidade de vida do paciente ostomizado. Minha tia e meu primo estavam com a gente e sentimos que não estávamos ali sozinhos.
Era, de longe, a pior noite da minha vida. Com todo o peso que essa frase leva. Digerir tanta informação e entender que vidas inteiras mudaram em algumas horas foi muito complicado. Passamos a noite em claro, eu e papai. Dormi ao lado dele, pois tinha medo, muito medo, e a cada vez que mudava de posição na cama, trocávamos olhares perdidos, sem saber no que se tornaria nossas vidas daquele dia em diante.
Poucos filhos - ao menos os que conheço - são tão ligados aos pais, como sou com os meus. E isso não é pretensão minha, é verdade. Nunca quis saber a explicação, mas nesse momento as coisas ficam muito mais claras. Era pra ser assim.
Depois de vários médicos e até um diagnóstico de "cálculo renal", dado por uma médica (brasileira[!!!]), na UPA, depois de um exame de urina, fomos encarar a emergência de um hospital do Estado. Tínhamos uma ultrasonografia que solicitava uma tomografia computadorizada pra complementar o diagnóstico. Mamãe foi atendida, realizou exames de sangue e a tomografia - num total de 10h de espera no hospital. Com o laudo da tomografia em mãos, eu já não cabia mais em mim de tanta ansiedade. Não gostei do que vi ali, embora não tivesse entendido sequer uma linha.
Enquanto aguardávamos o médico nos atender para ver o resultado da TC, mamãe pediu para irmos procurar algo pra comer - estávamos o dia inteiro ali, sem ter comido nada. Sentamos na lanchonete do hospital, pegamos uma água de coco (nada de comer nos agradou) e eu chorei. Mamãe, do alto de toda sua força e proteção que me dá, disse "minha filha, não se preocupe, vai ficar tudo bem. Eu não tenho medo de nada! Só tenho medo se for câncer".
A clínica médica olhou o laudo e pediu para levarmos ao cirurgião da emergência. O caso era pra operação e ela não disse muito mais que isso. Mamãe entrou na sala de sutura já agoniada, mas não pelo que a médica tinha falado, pela vontade de ir logo pra casa. Mesmo com um caso cirúrgico, não imaginamos que não voltaríamos juntas pra casa. Pediu, pelo amor de Deus, que a médica só "desse uma olhadinha" naquele exame, pois não aguentava mais ficar ali. A médica pegou os exames e respondeu que não ia olhar nada daquilo, que antes de qualquer coisa ela ia contar tudo o que tava sentindo. Ali eu chorei. Chorei porque pela primeira vez, em meses atrás de um atendimento correto, um médico parou pra ouvir o que minha mãe tinha pra dizer. Mamãe me olhou com aquela cara de "para de chorar, garota!" e contou tudo o que sentia praquela mulher, Dra. Flávia Menezes. Depois da história, ela olhou o exame em menos de um minuto e disse "dona Eulalia, nós vamos operar a senhora agora, tá? A senhora tem um tumor no reto, alguns pontos já no fígado, e precisamos abrir pra limpar essa barriguinha".
Eu pedia calma pra mamãe e ela pedia calma pra mim. Éramos eu e ela, uma querendo cuidar mais da outra. Ali eu vi que meu papel tinha mudado e que ela precisava deixar que isso acontecesse. Mamãe era a pessoa mais tranquila daquele hospital. Eu virei a pessoa mais desesperada e em cinco minutos depois a mais forte. Papai chegou atrás da gente justamente na hora que soubemos de tudo. Naquele tempo antes da cirurgia fomos a família mais feliz do mundo simplesmente por estarmos juntos. É estranho dizer felicidade nesse momento, mas sei que seriamos infelizes se um de nós três não estivesse ali naquela hora tão importante.
A cirurgia durou quase 2h, como previsto, e esperávamos a Dra Flávia e a Dra. Adriana virem conversar com a gente. As notícias chatas não pararam por ali. O tumor da mamãe não podia ser retirado, o fígado já vinha bastante comprometido e não nos deram expectativa de cura. Foi feita uma colostomia, sem previsão de retirada, e ela ficaria, no mínimo, uma semana no hospital pra se recuperar. Todo apoio nos foi dado. As médicas nos disseram que todo encaminhamento para o tratamento oncológico seria feito e explicou vários detalhes sobre qualidade de vida do paciente ostomizado. Minha tia e meu primo estavam com a gente e sentimos que não estávamos ali sozinhos.
Era, de longe, a pior noite da minha vida. Com todo o peso que essa frase leva. Digerir tanta informação e entender que vidas inteiras mudaram em algumas horas foi muito complicado. Passamos a noite em claro, eu e papai. Dormi ao lado dele, pois tinha medo, muito medo, e a cada vez que mudava de posição na cama, trocávamos olhares perdidos, sem saber no que se tornaria nossas vidas daquele dia em diante.
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