terça-feira, 4 de março de 2014

aquele dia.

Cinco de fevereiro tinha tudo pra ser um dia comum, mas não foi. Minha mãe não estava bem e isso já não era do dia cinco, ou do dia um, ou de algum dia próximo. Isso já era recorrente nos nossos últimos meses.

Poucos filhos - ao menos os que conheço - são tão ligados aos pais, como sou com os meus. E isso não é pretensão minha, é verdade. Nunca quis saber a explicação, mas nesse momento as coisas ficam muito mais claras. Era pra ser assim.

Depois de vários médicos e até um diagnóstico de "cálculo renal", dado por uma médica (brasileira[!!!]), na UPA, depois de um exame de urina, fomos encarar a emergência de um hospital do Estado. Tínhamos uma ultrasonografia que solicitava uma tomografia computadorizada pra complementar o diagnóstico. Mamãe foi atendida, realizou exames de sangue e a tomografia - num total de 10h de espera no hospital. Com o laudo da tomografia em mãos, eu já não cabia mais em mim de tanta ansiedade. Não gostei do que vi ali, embora não tivesse entendido sequer uma linha.

Enquanto aguardávamos o médico nos atender para ver o resultado da TC, mamãe pediu para irmos procurar algo pra comer - estávamos o dia inteiro ali, sem ter comido nada. Sentamos na lanchonete do hospital, pegamos uma água de coco (nada de comer nos agradou) e eu chorei. Mamãe, do alto de toda sua força e proteção que me dá, disse "minha filha, não se preocupe, vai ficar tudo bem. Eu não tenho medo de nada! Só tenho medo se for câncer".

A clínica médica olhou o laudo e pediu para levarmos ao cirurgião da emergência. O caso era pra operação e ela não disse muito mais que isso. Mamãe entrou na sala de sutura já agoniada, mas não pelo que a médica tinha falado, pela vontade de ir logo pra casa. Mesmo com um caso cirúrgico, não imaginamos que não voltaríamos juntas pra casa. Pediu, pelo amor de Deus, que a médica só "desse uma olhadinha" naquele exame, pois não aguentava mais ficar ali. A médica pegou os exames e respondeu que não ia olhar nada daquilo, que antes de qualquer coisa ela ia contar tudo o que tava sentindo. Ali eu chorei.  Chorei porque pela primeira vez, em meses atrás de um atendimento correto, um médico parou pra ouvir o que minha mãe tinha pra dizer. Mamãe me olhou com aquela cara de "para de chorar, garota!" e contou tudo o que sentia praquela mulher, Dra. Flávia Menezes. Depois da história, ela olhou o exame em menos de um minuto e disse "dona Eulalia, nós vamos operar a senhora agora, tá? A senhora tem um tumor no reto, alguns pontos já no fígado, e precisamos abrir pra limpar essa barriguinha".


Eu pedia calma pra mamãe e ela pedia calma pra mim. Éramos eu e ela, uma querendo cuidar mais da outra. Ali eu vi que meu papel tinha mudado e que ela precisava deixar que isso acontecesse. Mamãe era a pessoa mais tranquila daquele hospital. Eu virei a pessoa mais desesperada e em cinco minutos depois a mais forte. Papai chegou atrás da gente justamente na hora que soubemos de tudo. Naquele tempo antes da cirurgia fomos a família mais feliz do mundo simplesmente por estarmos juntos. É estranho dizer felicidade nesse momento, mas sei que seriamos infelizes se um de nós três não estivesse ali naquela hora tão importante.

A cirurgia durou quase 2h, como previsto, e esperávamos a Dra Flávia e a Dra. Adriana virem conversar com a gente. As notícias chatas não pararam por ali. O tumor da mamãe não podia ser retirado, o fígado já vinha bastante comprometido e não nos deram expectativa de cura. Foi feita uma colostomia, sem previsão de retirada, e ela ficaria, no mínimo, uma semana no hospital pra se recuperar. Todo apoio nos foi dado. As médicas nos disseram que todo encaminhamento para o tratamento oncológico seria feito e explicou vários detalhes sobre qualidade de vida do paciente ostomizado. Minha tia e meu primo estavam com a gente e sentimos que não estávamos ali sozinhos.


Era, de longe, a pior noite da minha vida. Com todo o peso que essa frase leva. Digerir tanta informação e entender que vidas inteiras mudaram em algumas horas foi muito complicado. Passamos a noite em claro, eu e papai. Dormi ao lado dele, pois tinha medo, muito medo, e a cada vez que mudava de posição na cama, trocávamos olhares perdidos, sem saber no que se tornaria nossas vidas daquele dia em diante.





























Nenhum comentário:

Postar um comentário