Diferente do esperado, depois de um dia cheio de esperanças e fé renovadas, tivemos uma surpresa. Na quinta, dia 06, cheguei cedo no hospital, como de costume. Fui tentar conversar com o chefe do CTI sobre minha volta ao trabalho e um possível horário alternativo para conversar com os médicos. Ele não estava e fiquei por lá aguardando a visita. Às 14h já estava junto com o papai para entrarmos no CTI.
Como sempre fiz, cheguei no leito dela com um sorriso de orelha a orelha. Em todos esses dias, aprendi (sem saber como, nem com quem) que tinha que estar muito feliz por poder estar ali, dividindo isso com ela, e que ela precisava me ver bem. E era isso que eu queria mostrar pra ela todos os dias: o meu sorriso mais sincero.
Dra Flávia apareceu, vinha da sala dos médicos do CTI, e não tinha uma cara boa. Fui abraçá-la e ela disse "Bru, você precisa ser forte. Sua mãe deu uma piorada. Teve uma parada cardíaca de meia hora hoje cedo e quase não conseguiram fazê-la voltar". Não sei definir minha reação. Não faço ideia de como deve ter sido a minha cara. Mas pra mim ela permanecia ali "bem", como antes.
Não contei pro meu pai. Esperei que a Dra Milena, intensivista do dia, contasse tudo pra nós dois juntos. Deixei que ele ficasse com a mamãe bem, sem aquele peso ou aquele medo que eu tinha. Ele não merecia.
Dra Milena nos chamou pra conversar e contou sobre a parada cardíaca. Por meia hora ela insistiu que a mamãe permanecesse ali pra nos encontrar na hora da visita. Nos disse pra aproveitarmos o máximo possível, pois uma nova parada ela não suportaria. Mamãe "voltou" com muita droga pra manter a pressão. Ficamos desolados.
Voltamos às 18h, pois a Dra Milena deixou que passássemos mais tempo com ela, pra aproveitarmos tudo. Nessa hora, ela comentou que mamãe permanecia estável, sem nenhuma nova intercorrência. Voltamos pra casa um pouco mais tranquilos, mas a sensação que a qualquer momento o telefone poderia tocar era cruel.
A previsão era que na sexta ela fizesse a traqueostomia e mais uma lavagem abdominal, que foram suspensas. Mamãe não tinha condição clínica para suportar qualquer intervenção cirúrgica. O fígado apresentou sinais de falência e os olhos dela estavam bem amarelados. Mais uma coisa começou a me preocupar.
Parecia que tudo o que tínhamos caminhado e vencido até agora estava chegando ao fim. Ao mesmo tempo que eu sabia disso, não deixei de acreditar nem um minuto que mamãe voltaria pra casa. Até que o intensivista de sábado foi mais duro comigo e com papai. Quando questionei sobre os danos cerebrais que a parada cardíaca poderia ter causado, ele foi direto "Bruna, sua mãe não vai voltar pra casa".
Papai chorou muito e eu só queria que o médico me explicasse o que acontecia. Pela experiência dele, era mesmo questão de alguns dias. A infecção ainda era localizada no abdômen, mas o fígado já estava numa situação bem complicada, podendo parar a qualquer momento, e aí era mesmo aguardar que as coisas fossem "parando". Nesse momento pensei no quanto os próximos dias seriam sofridos pra ela. É triste demais saber que você não pode fazer nada além do que já foi feito. Imagina você saber que a pessoa que te deu a vida está indo embora aos poucos, aos pedaços, órgão por órgão, sem que nada pudesse ser feito?
O câncer complicou toda a evolução ou melhora que ela apresentou nesse período. Mamãe esperava ficar boa, mas tudo era muito, muito, muito lento.
Quando chegamos no hospital, no domingo, vi que o nome da mamãe carregava um "*". Logo perguntei o motivo e o segurança disse que a médica iria conversar só comigo e com os familiares de outro paciente. Na hora já veio aquele desespero, mas passou quando uma enfermeira do setor saiu, perguntei se mamãe estava "bem" e ela me pediu pra ficar tranquila. Fiquei.
Dra Paula chegou antes da visita e me chamou. Entramos, sentamos e ela disse "Bruna, fizemos alguns testes na sua mãe ontem a noite e hoje e podemos afirmar com 98% de certeza que ela teve morte cerebral".
Bruninha, que barra essa. Passei por esse caminho todo, com a minha avó. E sei o quanto o telefone se torna um instrumento de tortura, e que a dor da perda acaba virando um alívio. Alívio pela pessoa querida que não sofre mais. Sempre dói e doerá, mas logo será acompanhada de lembranças doces e um sorriso. Fica com Deus.
ResponderExcluirAh. Aqui é o Dan !! Só agora p eu descobrir que um dia, também fiz um blog.
ExcluirÉ bem isso mesmo, Dan. Obrigada pelo carinho :)
ExcluirAh, Bruna, chorei com você e por você. Será que reviver tudo isso realmenet faz bem para você? Escreva sobre as boas lembranças, os bons momentos, o lindo presente de Natal que você deu para seus pais. Beijo no coração.
ResponderExcluirAnaMaria
Pois é, Ana, pensei muito se deveria escrever tudo isso ou não, mas concluí que precisava "colocar pra fora" o que passei por esses dias. Não me machuca falar disso aqui. Mas vou escrever também sobre muitas coisas boas que vivemos. Um beijo enorme e obrigada por todo carinho comigo. <3
ExcluirNossa amiga, to aqui com o olhocl cheio d'agua lendo tudo isso. Imagino o quanto você foi morrendo por dentro a cada dia que passava. Sofri isso por 15 dias com meu pai e não desejo isso pra ninguém mas tenha a certeza que ela agora está tranquila. Passou pelo sofrimento e está lá em cima, do ladinho do nosso Pai Maior olhando por você.
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ResponderExcluirEsse foi difícil de ler...
ResponderExcluir=/
OPA!!!
Só uma pessoa incrível como você para conseguir enfrentar essa dificuldade e ainda conseguir escrever com detalhes todo o sofrimento que passou! Amo você, garota e esteja certa de que em toda dificuldade enfrentada recebemos méritos pelos aprendizados que ela nos concede, mesmo que tragicamente.
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