sábado, 5 de setembro de 2015

torta de climão;

Eu não tenho problema em falar sobre a minha mãe. Nenhum. Posso contar tudo o que aconteceu, posso dizer tudo o que a gente viveu, posso falar sobre como é difícil a vida sem ela. Essa última opção é até a mais dura, confesso, porque é tudo muito novo e eu nem sei ainda o que vai ser daqui pra frente. 

Mas as pessoas não estão preparadas para ouvir. As pessoas não sabem reagir. O normal é a resposta padrão "tinha que ser assim" e derivados. Isso eu já sei! O que eu queria era poder ser ouvida. Sentar, falar tudo o que aconteceu e que tá guardado aqui, só comigo. As lembranças são duras e todos os dias tão aqui. Elas são minhas companheiras agora. Tem dias que elas trazem momentos bons, dias que trazem os mais difíceis, mas é a minha vida e vamo em frente. 

Parece que existe um bloqueio geral sobre falar da morte. Eu nunca tinha pensado nisso, obviamente, até passar e perceber que é um ponto que ninguém sabe lidar. É como quando não querem dizer "câncer" e dizem "aquela doença", sabe? Ninguém consegue encarar a única certeza que a gente tem na vida de frente. Só eu sei o que eu passei, a dor que eu senti, a saudade que eu acordo e durmo sentindo todos os dias, e tenho que guardar aqui comigo, por que as pessoas não conversam sobre a morte (ou sobre qualquer assunto ao redor). 

Conto nos dedos aqueles que vieram me perguntar como eu estava depois que tudo aconteceu - querendo/esperando que eu contasse a verdade. Em todos os outros casos, a minha resposta sempre foi "tá tudo bem", porque é o que deve ser socialmente dito. Ninguém espera que você responda algo diferente, e se você disser elas vão responder "imagino como é difícil, mas vai passar". Não é uma mentira, mas não é como quando a gente termina um namoro, que pode repetir a história pra todo mundo, várias vezes, que sempre vai gerar uma discussão de horas. 

Conhecer gente nova é outra certeza de climão. Se chega ao ponto de contar, já falo "olha, mas tá tudo certo. não precisa ficar com cara de sem graça. eu não tenho problema nenhum em falar disso". E assim encerra o assunto, porque, né, ninguém quer saber história triste por mais de dois minutos. Deixa pro teu terapeuta. Mais fácil. 

Certa vez uma amiga me mandou uma música que dizia "e meu anseio é forte, ou eu encanto a vida ou desencanto a morte" e eu percebi que alguém tinha conseguido entender o que eu não tinha compreendido até então. Essa minha naturalidade em lidar com isso deve servir pra alguma coisa. Mesmo que eu ainda não tenha descoberto e também não entenda, até hoje, como eu passei por tudo isso de forma tão tranquila. Mas se for pra desencantar, para que histórias lindas de vida sejam contadas e lembradas com amor, sem amarras e sem dor, devo estar no caminho certo. 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

abraçar e agradecer;

Aprendi a gostar de Bethânia com a mamãe. Ela sempre cantava muitas  músicas dela. Gostava muito de “quando estou com você, estou nos braços da paz”, sempre cantarolava para mim. Primeiro show que tive o prazer de ver esse ano foi dela. A turnê, que chama “abraçar e agradecer”, me lembrou e reforçou, o tempo inteiro, a importância de simplesmente agradecer. Nada mais justo para um janeiro.
 
Hoje encontrei um dos médicos que operou minha mãe. Talvez o que tenha feito a cirurgia mais crítica de todo o período de internação dela. Até hoje eu pensava todos os dias que precisava ter coragem de voltar ao hospital para agradecer ao Dr. Antonio pelo ótimo tratamento que a mamãe teve durante a internação. Nunca consegui ter tempo (na verdade, coragem). Até hoje.

Eu voltava do almoço e o Dr. Antônio  descia a escada do prédio que eu trabalho. Corri até ele e chamei. Me apresentei, ele não lembrava de mim até que eu falasse do caso da mamãe. Ele lembrou e eu disse que só queria agradecer. Agradecer por toda atenção que me deu por tantos dias. Agradecer por todas as explicações que me deu do caso dela. Agradecer pelo leito que ficou guardado esperando que ela retornasse do CTI. Agradecer pelo seu empenho e coragem de ter uma profissão tão bonita e importante e, principalmente, por desempenha-la de forma tão humana. Agradecer. 

Certamente ele e a Dra Flávia não sabem da importância que têm na minha vida. Mas eu sei o quanto sou grata por ter encontrado esses dois (além de tanta gente querida daquele hospital) no meu caminho e a única maneira que posso retribuir tudo o que fizeram pela minha mãe é agradecendo. 

A minha felicidade de ter encontrado o Dr Antônio na rua e conseguido dizer alguns "obrigados" era tanta que não sei nem se ele conseguiu me entender ou se está me achando uma louca. Mas tudo bem. To muito feliz por esse encontro ter acontecido. 

Acho que Deus ta colocando muitas coisas boas nesse período que vamos completar um ano sem ela, para que essa dor seja mais leve. Obrigada. 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

a vida é tão rara.

Muitas coisas acontecem na nossa vida pra mudar completamente o rumo dela. Eu nunca imaginei que fosse perder tão cedo a presença física da minha mãe, certamente quem tem a mãe ao lado nunca tenha - ou queira ter - pensado nisso. Acontece que perder alguém tão próximo me fez pensar (muito, todos os dias) no quanto a vida pode ser curta sem que a gente saiba. 

Hoje completa um ano que a mamãe foi internada. Algumas datas são bem complicadas. Nesse tempo que passou, de 12 de março até hoje, a única coisa que eu me preocupei em fazer foi: tentar ser feliz. 

Eu sabia que aquela dor ia me consumir, se eu deixasse, e eu sabia que não poderia deixar isso acontecer. Uma das coisas que minha mãe me pediu, enquanto estava no hospital, foi que eu continuasse sendo feliz independente do que acontecesse. Eu tinha que continuar assim por mim, por ela e pelo meu pai. Não é fácil. 

De uma hora pra outra eu me tornei responsável pela minha casa e por tudo que ela trouxe junto. Meu pai, contas, roupa pra lavar, compras pra fazer, etc, etc. É lindo quando você vai morar sozinho e sabe que pode ligar pra casa quando o dinheiro aperta que, magicamente, sua conta terá saldo positivo. É difícil quando é você e você. 

Minha mãe comandava nossa pequena família com maestria. Meu pai não sabia nem onde as calças dele ficavam guardadas no armário. E eu ali, voltando pra casa depois de cinco anos morando fora dela e lembrando de cada coisa que minha mãe fazia pra manter tudo do jeito que ela gostava. 

Os meses foram passado, a gente foi se adaptando e minha segunda maior missão - além de ser feliz - é fazer com que meu pai se acostume com essa nova vida da maneira que ele tenha o menor sofrimento possível. Pra ele é muito mais difícil que pra mim. São duas dores diferentes, incomparáveis e imensuráveis. 

Cada vez que chegamos em casa é uma lembrança, cada vez que abrimos a porta é outra. Parece que ela vai sair do banheiro ou surgir na cozinha a qualquer momento avisando que a comida já está ficando pronta. Mas não vai. Nesses momentos a gente esquece a obrigação de ser feliz e acaba deixando a saudade bater e aquela lágrima cair. 

Ontem eu deixei de pegar uma van na rua e fiquei esperando meu ônibus passar por muitos minutos. Quando peguei meu ônibus, ele parou num engarrafamento que tinha sido causado por aquela van que eu perdi. Ela bateu e derrubou um poste que ficou atravessado na pista. Eu poderia estar ali, como eu poderia estar em vários outros lugares no meio de algum acidente. Mas eu não sei, a gente não sabe. Então é obrigatório aquele clichê de viver cada dia como se fosse o último. 

Assim que a mamãe desencarnou, parecia que meu mundo tinha parado, mas continuava a ver tudo em volta rodar. Era um transe. Eu só voltaria ao mundo normal quando começasse a girar junto com ele e isso só ia acontecer quando eu quisesse. Com tanta gente maravilhosa em volta, eu não fui "deixada" muito tempo parada ali. Voltei logo pro ritmo e empenhada a encher minha mãe de orgulho todos os dias. 

Tem uma música que sempre toca na minha cabeça quando eu lembro isso da vida:
http://youtu.be/je-RTYbzoEk

A vida não para. 
A vida é tão rara. 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

só.zinha;

Desde que me entendo por gente repito que meu sonho é ser independente. Sempre foi, mesmo. Nunca sonhei em casar, entrar na igreja vestida de noiva ou ter uma casa grande com muitos filhos. Isso nunca foi uma prioridade pra mim. Só que eu não sabia que era tão pesado. Pra mim era "só" não depender de ninguém. Ter as minhas coisas conquistadas com o meu trabalho e poder fazer o que eu quiser, quando e como eu quiser.

Hoje eu consigo entender o tanto que minha mãe se preocupava em me ver com alguém ou com um filho. Ela dizia sempre que não queria me deixar sozinha, já que não me deu irmãos. Se apegava aos meus namorados como se fossem filhos. Eu dizia sempre que ela não precisava se preocupar com isso pq eu nunca estaria sozinha, que tenho muitos amigos e a família. Hoje eu sei o que ela queria dizer. Por mais amigos que você tenha, você está sozinho. Por maior que seja a sua família, você está sozinho. Você só não está só quando tem seus pais ao lado (ou quando já construiu sua nova família - que é aquele momento que a mãe adora dizer "quando você tiver seu filho, vai me entender!"). São eles que vivem por você incondicionalmente. São eles que te atendem a qualquer hora do dia ou da noite só pra ouvir que você tropeçou numa pedra.

Hoje eu queria que meus sonhos tivessem sido mais "normais". Tenho a minha independência, minha família, muitos amigos, mas não tenho pra quem contar que tropecei numa pedra, que to com o nariz entupido, que comprei "aquele sapato que eu queria, lembra?". Nunca me senti tão sozinha tendo tanta gente.