Há um ano partíamos para a viagem mais esperada das nossas vidas. Pelo menos na minha e na dela. Comprei as passagens em agosto e consegui um bom preço para irmos os três. Era uma felicidade que não cabia em nós. Levar a mamãe de volta à cidade dela era um dos meus grandes sonhos. Sempre dizia para ela que um dia eu daria aquele presente. Custei a acreditar quando consegui. Na verdade, acho que só acreditei quando chegamos ao aeroporto para embarcar para Salvador. Vê-los chegando no terminal arrumadinhos para viajar já encheu meus olhos de lágrimas. Papai, que todo o tempo dizia que não ia viajar e que não gostava de andar de avião, até que estava animado. Mal sabia ele o tanto que voltaria apaixonado por aquela terra e toda a família da mamãe.
Descemos em Salvador e um primo que mora lá foi nos buscar. Partimos para Paulo Afonso só no dia seguinte. Mamãe não via Walter há anos que ela nem sabia quantos. Foi uma noite regada a algumas cervejas e muita conversa. Eu sempre fui muito ligada à família da minha mãe. Por maior que seja essa distância, meus tios e primos sempre foram muito próximos de nós por ligações, cartas e fotografias. Além daquela ser a vontade dela, era um sonho meu se realizando. Os meus maiores sonhos sempre foram por eles e para eles.
No dia seguinte, Walter nos deixou na rodoviária e partimos para Paulo Afonso em uma viagem que cortava, praticamente, a Bahia inteira. O ônibus ia parando em todas as cidades. Não pregamos os olhos por nenhum minuto. Papai me mostrava a vegetação da estrada e me explicava cada plantação tipicamente nordestina, como uma imensa de caju em uma cidade que faço nem ideia do nome.
Chegamos em Paulo Afonso por volta das 18h. Meus tios nos esperavam na rodoviária. Foi aquele chororô que já sabíamos que ia ser. Mamãe só repetia para minha tia "para de chorar, Nana! não tem ninguém morrendo!". Ela nunca gostou de chorar. Seria capaz de contar nos dedos as vezes que a vi chorando. E todas elas eu chorava junto. Aliás, era uma ótima maneira de fazê-la parar. Bastava dizer "mãe, se você chorar eu choro também".
Papai em poucas horas se sentia em casa. Foi tão bem recebido que repetia sempre "imagina se eu não tivesse vindo?!". Pois é, imagina! No dia seguinte já partimos para a cidade de uma outra tia, a Vera. Pela primeira vez em 25 anos minha mãe voltava à terra dela. Dos cinco filhos que estão vivos, três estavam ali passando as festas juntos. As três filhas mulheres que minha vó teve. A gente não tinha como mensurar tamanha felicidade.
Foi um natal lindo. Trocamos presentes, as crianças estavam felizes como nunca e, pela primeira vez, eu tinha um Natal com a minha família. A minha, de verdade, de sangue, (quase) inteira. Sofríamos tanto em pensar que a distância não nos permitia viver aquilo sempre. Mas foi assim que a vida sempre quis que fosse, né?!
Mamãe viu quase todas as pessoas que fizeram parte da vida dela. Os tios que ainda estão vivos, os sobrinhos que ainda não conhecia, os filhos de alguns sobrinhos, os primos, os filhos dos primos, a melhor amiga e até o primeiro namorado (com toda a família). Foram dias muito felizes.
Passamos a nos perguntar se conseguiríamos viver ali, papai estava tão feliz que não queria ir embora. Pra completar tamanha felicidade, meu primo se casou logo após o Natal. Mamãe estava linda, radiante! Feliz e divertida como ela costumava ser e ali, entre a família dela. Entre pessoas que a viram crescer, que tinham participação na história dela. Chirley, a esposa do meu primo, afilhado da minha mãe, sempre repetia "como tia Lala é divertida!". Para eles, ela é Lala - com a primeira sílaba tônica.
Mamãe já sentia dores e chegamos a ir ao hospital em um dia. Como de "praxe", os médicos deram um remédio para cólicas e voltamos para casa. Minha tia Nana, que mais cuidou de minha vó durante a vida toda, estava preocupada. Dizia que as dores de dona Lourdes eram "mesmo assim". E deviam ser, de fato. As duas tiveram exatamente o mesmo diagnóstico.
Quando chegou dia 31 de dezembro, a animação do réveillon não era tanta. Nossa volta era no dia seguinte. A família de Tia Vera, que tinha vindo de Santana do Ipanema, já tinha ido embora e passamos a virada com a família de Amanda, então recém-esposa do meu primo. A comemoração foi na casa da minha tia. Acho incrível como a tradição da ceia muda de uma cidade pra outra. Lá eles não conheciam rabanada!!!!! Corremos a cidade inteira atrás de pão pra rabanada e quase não conseguimos.
Fizemos a alegria da ceia do réveillon! Todo mundo amou. Eu e mamãe éramos imbatíveis nas rabanadas.
Viramos o ano e logo no primeiro dia viemos embora. Almoçamos na beira do rio São Francisco e logo seguimos para o aeroporto. Papai já nem tinha mais medo de avião. Nos despedimos prometendo voltar.
Exatamente um mês depois que voltamos, mamãe foi internada. Esse certamente será um dos natais mais complicados da vida. A saudade é enorme e quando a gente acha que diminuiu, ela vem com tudo e derruba a gente de surpresa. Mas vamos seguir.