Nunca tínhamos
conversado sobre transplantes, mesmo com um caso exemplar que tivemos na
família. Até que um dia, quando esperávamos para entrar no CTI para ver a
mamãe, papai comentou “minha filha, se algo acontecer, acho que ela iria gostar se doássemos o coração dela. Imagina se uma criança receber, como ela
seria feliz!”. Crianças sempre foram a paixão da mamãe.
Eu já havia pensado sobre doação desde que ela tinha entrado no CTI. Na porta do setor do
hospital colocaram um cartaz enorme, justamente com uma criança pedindo a doação.
Mas achava que seria complicado convencer o papai a fazer isso, até que ele me
surpreendeu vindo com esse comentário.
Hoje um programa
de TV falou sobre transplantes e ontem a novela também abordou o assunto. É de
uma importância enorme as pessoas compreenderem que mesmo no meio de tanta dor,
pode conseguir ajudar outra família. E foi nisso que pensamos quando falamos
sobre o assunto. Respondi ao papai que sim, que se a mamãe pudesse, faríamos as
doações. Infelizmente ela não podia. A equipe do Programa Estadual de
Transplante (PET) concluiu que ela não era uma doadora em potencial depois da
avaliação da morte cerebral. São vários fatores que levaram a isso, a própria
doença de base, a sepse que se instaurou e também a quantidade de noradrenalina
que ela passou a utilizar depois da parada cardíaca (informações que me
passaram, não sei se totalmente corretas).
Uma das
coisas mais lindas que minha mãe me ensinou foi a ajudar o outro, seja lá “o
outro” quem for. A gente não podia colaborar com dinheiro, mas mamãe era aquela
que guardava um pouco das quentinhas que fazia para dar aos mendigos que ficam
na nossa rua. E isso valeu na hora de decidirmos sobre seus órgãos. Mamãe foi
uma mulher tão feliz, tão boa, que a gente queria que isso tudo se perpetuasse
de alguma forma. Imaginem que lindo seria mais uma pessoa com esse coração
cheio de amor no mundo.